– Por que está existindo esse aumento das DST’s na terceira idade?
Na realidade, ao longo do tempo, desde o passado, os casos de doenças sexualmente transmissíveis (DST) sempre existiram e aumentaram. O que acontece atualmente é que antes éramos, por exemplo, 90 milhões de brasileiros. Hoje, somos 200 milhões. Então, a combinação de aumento populacional e da expectativa de vida, mais os avanços na medicina em termos de medicamentos estimulantes sexuais, a própria cultura social do culto à exposição/beleza e vida sexual mais ativa, diminuição da percepção de doença incurável, antibióticos cada vez mais potentes e de fácil uso, acabam reforçando o aumento das relações sexuais. E isso, somado à falta de percepção de riscos e de necessidade de proteção de muitas pessoas, faz com que os casos de DST se mantenham em patamares elevados.
– O sr. acha que os fatores culturais / sociais pesam sobre o aumento dessas doenças?
Sem dúvida. Atualmente, vivemos em uma sociedade que prega o culto à beleza, à exposição do corpo e, por si só, as relações, para muitas pessoas (especialmente para adolescentes e adultos jovens) também estão mais superficiais e efêmeras. Não é raro escutar que em “baladas” existe uma disputa para quem beija mais pessoas e quem fica com mais pessoas (sejam homens ou mulheres), o que contribui para que as pessoas tenham múltiplos parceiros em espaços de tempo curto. A própria mídia acaba estimulando isso por meio de novelas, programas de reality show e músicas. Em paralelo, necessitamos melhorar muito a base educacional e de responsabilidade das pessoas, para que se protejam, se previnam e façam o mesmo com suas parcerias sexuais.
– Quais são as principais doenças que estão acometendo essa parcela da população?
Atualmente, as principais doenças que estamos observando esse aumento são HPV, sífilis no adulto e sífilis congênita, e HIV. Porém, o mundo e o Brasil experimentam verdadeira epidemia de gonorreia resistente aos principais antibióticos. O mesmo temos observado com o HIV resistente aos antirretrovirais distribuídos na rede pública.
– Temos algum dado sobre o percentual de crescimento das DSTs no país? E no mundo, como é esse cenário?
No mundo todo tem-se observado o aumento dos casos de DST, não é apenas no Brasil. Por aqui, segundo o último boletim do Ministério da Saúde, de 2007 até junho de 2017, foram notificados 194.217 novos casos de infecção pelo HIV no Brasil. Já em relação à sífilis, em 2010, a taxa de detecção era de 2 pessoas por 100 mil habitantes. Em 2016 subiu para 42,5 por 100 mil habitantes. Somente no Rio de Janeiro, 10% das grávidas foram diagnosticadas com sífilis, de acordo com as notificações na rede pública. Esse número é muito alto. Em relação ao HPV, uma pesquisa recente do Ministério da Saúde apontou que mais da metade dos brasileiros de 16 a 25 anos têm o vírus do HPV. Após essa idade, o número tem uma leve queda e volta a subir a partir dos 35 anos de idade. Para quem pensa que as doenças ocorrem só em pacientes do SUS, podemos relatar dados do Laboratório Richet (rede privada para a Classe A carioca) sobre HIV e sífilis. Em 2013, 186 exames para HIV foram positivos em um total de 7.885 exames realizados. Em 2017 foram diagnosticados 320 positivos em um total de 17.621 exames. Quanto aos exames para a sífilis os números são 273 casos positivos em 15.967 exames em 2013 para 364 positivos em 42.562 exames realizados. Que país do mundo tem um número tão alto atendendo pessoas de classe alta, em rede de saúde privada?
– Acomete mais homens ou mulheres? Por que?
Em relação ao HIV, ligeiramente o número de homens diagnosticados é maior que o da mulher, o que não significa que também o número não tenha crescido entre elas, especialmente nos extremos da vida (adolescência e após 45 anos). Já em relação à sífilis e HPV, ambos os sexos são notificados/diagnosticados com certo equilíbrio. Porém, são notificados muitos casos de gestantes adolescentes com sífilis e HPV, bem como em pessoas de ambos os sexos na terceira idade.
– Quais são os mais recentes tratamentos para essas doenças? Podemos dizer que o Brasil é um país avançado no tratamento de DST’s?
Sim. O Brasil, em comparação com os outros países, não deixa nada a dever em termos de medicações disponíveis para os tratamentos dessas doenças. O que acontece por aqui, diferente dos outros mais desenvolvidos, é a demora na aplicação das medicações nos pacientes. Enquanto outros países seguem a chamada terapia supervisionada, a qual inicia do tratamento no doente no momento do diagnóstico (durante a consulta médica), por aqui depende-se da liberação da medicação pelo governo e consequente disponibilidade nos centros de saúde pública. Quem não se lembra, por exemplo, quando tivemos no Brasil uma crise de falta de penicilina, muito importante para o tratamento da sífilis? Então, tudo isso atrasa muito o início do tratamento, fazendo com que a doença avance ainda mais no doente. Na rede privada, o paciente é diagnosticado e recebe uma receita do médico para comprar o medicamento. Mas, nem sempre ele compra no mesmo dia, pode começar o tratamento tardiamente, e aí as complicações de evolução da doença são as mesmas. Em relação ao HIV, isso não acontece. Somos referência de tratamento no mundo, pois, por conta de uma iniciativa do governo, os pacientes diagnosticados com a infecção devem ser medicados, integralmente e gratuitamente, pelo governo. Por isso, não faltam medicamentos e, após o diagnóstico, o paciente já tem acesso imediato. Isso não acontece em muitos outros países. Entretanto, muitas pessoas que vivem com HIV não fazem uso correto da medicação e até mesmo deixam de tomar os comprimidos. Isso favorece, sobremaneira, o aparecimento de vírus resistentes.
– Por ser terceira idade, os riscos do desenvolvimento da doença são maiores do que para um paciente mais jovem?
Biologicamente, sabemos que o próprio avanço da idade faz com que a imunidade do organismo diminua, naturalmente. É claro que isso permite que o risco de complicações em pacientes da terceira idade seja maior. Porém, por outro lado, jovens que adquiram DST, muitas vezes, não procuram médico aos primeiros sinais dos sintomas, buscando assistência somente quando a situação fica mais grave. Isso já não acontece com o público da terceira idade, que, em geral, é mais consciente, mais bem informado e tem o costume de procurar um médico ao sinal de qualquer problema. Por isso, por mais que pensemos que essas doenças podem ser mais agressivas para as pessoas mais velhas, tudo fica muito relativo, já que os jovens também costumam só procurar auxílio em estágios mais avançados.